Imagine um país inteiro sem gasolina!
Gente - Expedições - 26/05/2018Ainda na Tanzânia nos avisaram que não haveria gasolina no Malaui. De onde estávamos não tínhamos outra opção se não encarar a situação da melhor maneira possível. Seriam em torno de 1.200 km até sair para Moçambique. Estávamos em duas motos, a minha somava 50 litros de gasolina (33 do tanque original, 7 do meu galão flexível e mais 10 em 2 galões de óleo de caminhão). E assim fomos…
Uma das coisas mais prazerosas de viajar mundo afora é a oportunidade de aprender um monte através das conversas com pessoas de realidades bem diferentes das nossas e às vezes nem tanto. Conversas curtas, longas ou até propositalmente infinitas de tão gostosas.
Então vamos lá… Vou tentar retratar, mais ou menos, como foram alguns diálogos:
– Por que não tem gasolina?
– Bem, por que somente o governo pode importar e distribuir gasolina. E dizem que ele está tão sem dinheiro que não consegue pagar pela importação.
– Mas por que só o governo pode importar gasolina?
– Essa é considerada uma atividade estratégica para o país e, portanto não pode ser feita por empresas privadas locais ou estrangeiras.
– Huum, mas tá faltando…
– Pois é!
– E essa gasolina que está sendo vendida em garrafões no mercado paralelo? Vem de onde?
– Tem gente que vai buscar na Tanzânia para revender e outras conseguem desviar dos estoques de segurança do governo (para uso das autoridades, militares, policia, ambulâncias…).
– E como conseguem desviar?
– Pagando as pessoas certas. Os corruptos estão por todos os lados.
– O dinheiro sabe sempre encontrar um caminho… Falando em dinheiro, porque o governo está sem caixa a ponto de não conseguir importar gasolina?
– Ninguém sabe. Não se fala disso, mas em Lilongwe não falta nada, as ruas são bonitas, tem muitas casas lindas, carros de luxo desfilam pela cidade… Eles vivem em outra realidade e não fazem nada pelo país. Deveriam resolver logo essa questão da gasolina porque já tá prejudicando o país todo.
– Não seria simplesmente porque gastam mais do que recebem?
– Não sei. Eles têm dinheiro em Lilongwe. Muita gente vai para lá tentar um emprego no governo. Mas é difícil, precisa conhecer alguém poderoso. Eles deveriam oferecer mais emprego por aqui também.
O Malaui é pequeno, fica entre a Tanzânia e Moçambique e ocupa basicamente uma área em torno do imenso lago de mesmo nome. É um país bem bonito onde sempre fomos bem recebidos. A natureza foi generosa. O lago provê água boa e peixe para quase todos. As terras também são boas. O país exporta tabaco, café, chá e açúcar. Dizem que também há uma razoável reserva de urânio.
Em Lilongwe, a capital, encontramos bairros modernos, embaixadas, restaurantes, lugares bem cuidados, concessionárias das melhores marcas, mas o que mais nos chamou a atenção foi um supermercado. Grande, atual, bem distribuído e com uma oferta de produtos de primeiro mundo, difícil de encontrar até no bairro dos Jardins em São Paulo. Talvez uns 40 tipos de queijos, outro tanto de iogurtes, vinhos, etc… Mas 10% da população tem AIDS e 60% não tem esgoto em casa.
Os grupos que disputam a ferro e fogo o poder depois da independência não diferem essencialmente em nada. Os interesses são os mesmos, os discursos ligeiramente diferentes, mas de concreto são idênticos. Como em outros lugares, pega bem ter um judiciário independente, eleições, alternância de governantes, imprensa livre e essas coisas que os países ricos, antigos colonizadores, dizem serem essenciais em uma sociedade saudável. Uma grande encenação, mas necessária no grande teatro global.
A corrupção é tamanha que já houve corte de linhas de financiamento humanitário pelo excesso de desvios. Mas não choca do ponto de vista ético, é mais pela inveja, pela falta de oportunidade de não fazer parte do grupo que está no comando. Afinal sempre foi assim, e se for por uma causa maior, tudo bem que alguns enriqueçam.
Há a crença que melhorias efetivas só virão quando fulano ou beltrano estiverem no comando. Afinal fulano foi muito bom e somente ele fará as mudanças necessárias. A clássica espera pela chegada do Messias dos subdesenvolvidos.
Para quem só estava de passagem, lidar com a falta gasolina foi fácil. E o planeta segue girando…